sexta-feira, 24 de abril de 2009

Haziel e Lynn.

Eu tinha doze anos quando a conheci, ela tinha onze, rosto e cabelos tão dourados quanto os de um querubim.
Eu tinha doze anos, duas malas nas mãos e muita pouca determinação...

Minha primeira e mal sucedida tentativa de fugir de casa aconteceu assim da seguinte forma...

Muitas vezes eu perguntei a minha mãe sobre o meu pai e em todas essas vezes as respostas foram variadas e vagas, mas todas inúteis, minha mãe demonstrou sempre que este era um assunto morto, assim eu desisti. No mais, ela vivia trancada dentro do seu quarto com o seu veneno... Nunca foi uma mãe má, mas também nunca fora uma boa mãe. Havia seus namorados, um a cada mês, às vezes semana. Mark foi o que ficou por mais tempo em nossa casa, ele era traficante de drogas, certamente minha mãe adorava todos os seus atributos...

Mark, um excelente sujeito, quando não espancava minha mãe, quando não jogava minha janta fora pelo simples prazer sádico de me ver com fome, eu realmente gostava muito dele, tirando as cinco vezes em que tentei matá-lo, essas cinco vezes em que fiquei trancado no porão por semanas, comendo a ração do cachorro e bebendo água da torneira.

Foi no porão que conheci Haziel. – a principio é claro, pensei tratar-se de um fantasma, um espírito. – ah, sim eu gritei, por minha mãe, até mesmo por Mark, naquele momento pareceu-me melhor o terror humano do que um fantasmagórico. Enquanto eu pedia, inutilmente, socorro a uma mãe entorpecida pelas drogas e a um padrasto que sorria assistindo futebol com uma lata de cerveja na mão, o homem no porão permanecia imóvel, olhando-me com uma expressão de tristeza na face. Eu suspirei, em seguida aspirei, enchendo meus pulmões de ar e meu coração de coragem. Hesitando muito, desci as escadas degrau por degrau, parei numa distância que considerei segura.

_ Quem... quem é você? – perguntei com relutância.

_ O meu nome é Haziel. – ele respondeu, sua voz parecia a de alguém profundamente triste. Haziel... Que tipo de nome é Haziel? Lembro-me de ter pensado... Lembro que ele vestia uma caça jeans surrada, uma camisa branca por baixo de um casaco negro também surrado. Ele mantinha sempre as mãos nos bolsos, olhava-me meio de lado.

_ Como entrou aqui? Porque esta aqui? Você... você é um fantasma? – perguntei abruptamente.

_ Não sou um fantasma, sou um amigo...


Deixando Haziel de lado e as muitas vezes que conversamos, quando ele me disse que era um Anjo Caído, e que por algum motivo que eu não podia saber agora, ele tinha de tomar conta de mim, voltemos a falar da minha mal sucedida tentativa de fuga...

Tudo pronto. Uma mala com três livros: Peter Pan, Oliver Twist de Charles Dickens e As Aventuras de Tom Sawyer de Mark Twain. Outra mala com uma muda de roupa. E isso significava o meu tudo naquela época.

Eu consegui ir até o fim da rua, isso foi o máximo até eu desistir, sentar sobre a sombra de uma árvore e chorar. Veja bem, eu não tinha pra onde ir, aquilo era loucura, fugir? Mas fugir pra onde? Chorei sim, eu chorei abraçando minhas pernas, deixando as malas de lado, cônscio de que eu nunca conseguiria abandonar o inferno.

_ Oi. – disse a menina, aproximou-se tão sorrateira que só fui percebê-la ao ouvir o som doce de sua voz. Eu não a olhei, então acho que isso a disse que devia prosseguir. _ Porque esta chorando?

_ Eu não estou chorando... – retruquei de pronto.

_ Mas são lágrimas nos seus olhos... – ela disse.

_ E daí? São lágrimas, mas eu não estou chorando. – respondi, levantei a cabeça e vi Lynn pela primeira vez. Como dizer isso...? Eu tinha doze anos, era só uma criança um tanto precoce, apaixonado por livros e tendo um Anjo Caído como amigo imaginário. Eu vi nela um céu sereno com nuvens de algodão doce...

_ Ok. O meu nome é Lynn e o seu?

_ Gibreel. – respondi, esperando alguma gracinha como gengibre ou algo do tipo.

_ Gibreel... Gibreel, eu gostei do seu nome. – ela respondeu.

_ Ta me zoando? – perguntei.

_ Não. O que você esta fazendo com essas malas, indo viajar? Você mora naquela casa amarela no começo da rua, não é? Eu te vi, estava passando de carro com meus pais... – eu nunca a tinha visto na minha vida, certamente me lembraria.

_ Eu morava na casa amarela, não moro mais, estou indo embora... – falei.

_ Seus pais vão se mudar? – achei que de quatro coisas que ela diz, quatro eram perguntas que, eu me sentia impossibilitado de não responder.

_ Estou fugindo de casa, portanto, vou só.

_ Hummm, entendi. Mas então nós não vamos mais nos ver? – perguntou-me com inocência.

_ Eu... eu acho que não, ora. – respondi sem jeito nenhum.

_ Não vai embora agora, ok, eu volto num minuto, não fuja agora. – ela saiu correndo como o vento, deixando-me ali sentado com uma cara de quem não entendera absolutamente nada.

Encostei o queixo nos joelhos e esperei.

Vinte minutos depois e ela estava de volta. Foi algo tão insano que tive de ficar de pé. Lynn voltara e tinha consigo duas malas. Fiquei um tempo revezando meu olhar entre as malas e o sorriso bobo em seus lábios.

_ Eu vou fugir com você, Gibreel, assim nos veremos sempre. – ela falou como se dissesse a coisa mais sensata e razoável do mundo.

_ Você é louca... – falei e me sentei novamente.

Não fugimos é claro, creio que ela nem o faria, acho que apenas tentava me demover da idéia. Foi assim que nos conhecemos. Depois disso não havia Gibreel sem Lynn, e Lynn sem Gibreel. Fazíamos tudo junto, éramos inseparáveis, éramos... éramos...

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