sexta-feira, 15 de maio de 2009

All The Way For You.

_ Saudações, Milorde Sorveteiro. Chamo-me Sir Gibreel, cavalheiro da távola de chocolate. Está aqui ao meu lado a princesa Eleni do reino encantado dos picolés de cerejas. Viajamos longas distâncias para encontrá-lo, Milorde. Viemos em busca do sorvete sagrado de baunilha. Lady Eleni foi escolhida pelas fadas para recebê-lo. - o sorveteiro arregalou os olhos, fixando-os em mim. Pareceu avaliar a extensão da minha loucura, no entanto, pisquei um olho para ele e em seguida olhei para Eleni, que segurava minha mão com uma expressão de pura incredulidade, mas com um vestígio de sorriso nos lábios.

_ Tem certeza disso, Sir Gibreel? Está é mesmo a princesa escolhida pelas fadas? - perguntou o sorveteiro, fazendo cara de mistério.

_ Mas é claro e posso provar o que estou dizendo. - respondi-lhe, estufei o peito, como se a simples menção de Eleni não ser uma princesa fosse algo ultrajante.

O sorveteiro deu a volta, deixando a barraquinha de sorvetes e veio a ficar de frente para mim e Eleni.

_ Preciso ter certeza, Sir Gibreel, o sorvete sagrado de baunilha não pode cair em mãos erradas...

_ Entendo perfeitamente. - agachei-me, ficando quase da mesma altura que Eleni. _ Princesa Eleni, Milorde Sorveteiro deseja ter certeza, tem de mostrar pra ele a marca...
Eleni olhou para mim, depois encarou o sorveteiro. Ergueu seu braço, com a palma da mão virada para cima, expondo uma pequena marca de nascença que, no momento, para todos os efeitos, foram as fadas que tatuaram. O sorveteiro olhou a pequenina mão em sua frente, em seguida caiu de joelhos no chão.

_ Longa vida a princesa, Eleni. - eu bradei.

_ Longa vida a princesa, Eleni. - retrucou o Milorde Sorveteiro.



Voltando para o parque, princesa Eleni devorando o sorvete sagrado de baunilha, e eu como um bobo somente a olhando. Aliás, tenho estado como um bobo durante esses três meses em que a conheci. Lynn tinha toda razão, não há como negar que Eleni seja minha filha, o jeito que a imaginação dela é fértil, a forma como fica quietinha, apenas ouvindo, como se tivesse sido teletransportada para as paginas dos livros que leio para ela, lembra a mim mesmo quando criança.


Chegamos a um banco.

_ Vamos sentar aqui um pouco, princesa, eu já sou velho e não aguento andar tanto. - ajudei ela a se sentar e fiz o mesmo ao seu lado. Eu queria Lynn aqui... ao invés de num hospital, aguardando um transplante de coração com muitas poucas chances de acontecer devido ao seu tipo sanguíneo raro, O negativo.

_ Minha mãe vai morrer, 'Giberel'? - a pergunta cortou o silêncio, livrando-me dos meus pensamentos. Deixei que meus joelhos tocassem o chão. Segurei Eleni pelos ombros, olhando dentro dos seus pequeninos olhos.

_ Nunca mais repita isso, princesa. Eu prometo a você que logo sua mãe estará em casa e vamos levá-la até o reino das Fadas para que ela possa ser marcada e assim ganhar um sorvete como o seu. Confia em mim, Eleni? - alisei seus cabelos.

_ Sim.
- jogou-se em meus braços e eu a beijei.



Duas horas depois, já tendo deixado Eleni na casa da mãe de Matt, eu corri como um doido, peguei o primeiro táxi que surgiu na minha frente. Só então respirei, sentado no banco de trás do táxi, olhando através do vidro e vendo em todos os cantos o rosto de Lynn. Não consigo evitar de pensar nela, de imaginá-la deitada na cama do hospital. É claro que estão cuidando super bem dela por lá, e o médico responsável pelo seu caso, Willians, alguém que conhecemos há séculos. Ela vai ficar bem. Ela vai ficar bem... Mas na minha imaginação de louco, é como se ela estivesse trancada numa masmorra, tendo dragões como carcereiros.

O celular vibra no meu bolso. No mostrador digital o nome de Matt.

_ Matt, algum problema com Lynn? - pergunto diretamente.

_ Ela que ver você, Gibreel. Pediu pra que viesse depressa. - Matt falou com uma voz tão fraca que por um momento, apenas por um segundo, eu temi pelo pior, no entanto, repeti novamente. "Ela vai ficar bem..."

_ Estou indo. - desliguei o celular. _ Hey, motorista, mudança de planos. Leve-me ao St. Louis e acione os propulsores para a velocidade da luz.



Subi as escadas, não escalei-as, como um alpinista experiente. Cheguei no andar de Lynn com o coração quase saindo pela boca. "Ela vai ficar bem".

''… and rather user my mouth to kiss, your frown away
so your doubts no longerlongerndarken your day
so you can hold your head up high come what may."


Vi Matt sentado em um banquinho em frente a porta do quarto de Lynn. Fui caminhando pelo corredor, vendo-o ali com a cabeça abaixada. Eu ia perguntar algo a ele, mas não queria ouvir sua resposta... Fui direto até a porta.

_ Gibreel... - ouvi-o chamar meu nome. Não o olhei. Entrei no quarto e fechei a porta.

''So please, remember that I'm gonna follow through all the way ...all the way''

E ela nunca me pareceu tão linda... Mesmo deitada ali com uma aparência tão frágil quanto a de um fino cristal. Dei passos curtos em sua direção e me sentei num banco ao lado da cama. Estiquei minha mão pelo colchão até alcançar a sua. "Ela vai ficar bem..."

Lynn abriu os olhos, logo, seus lábios se moveram para formar um sorriso. Ela sorriu, e mesmo com todo o meu desespero, senti-me incapaz de não retribuir aquela dádiva. Eu sorri, mas pensei em alguma formula mágica que pudesse me impedir de chorar.

_ Você não tem mesmo noção do quanto é bonito, não é? - perguntou Lynn. Eu arqueei uma sobrancelha.

_ Eu falo sério, Gibreel. Perdi muito tempo pensando nisso... E chegava sempre a conclusão de que você era demais ligado as suas histórias, ao seu mundo interno, e por isso nunca se deu conta das moças que o olhavam com interesse.

_ Você esta errada... - retruquei.

_ Ah, estou?
- ela indagou.

_ Está sim. Eu nunca prestei atenção em nenhuma outra moça porque só tinha olhos pra você.

Ficamos em silêncio. Encarando um ao outro. Eu pensando no nosso primeiro beijo, e ela, eu teria dado uma moeda pra saber em que ela pensa.

_ Tenho duas coisas pra falar, Gibreel. A primeira coisa é que já falei com Matt e Eleni vai ficar com você...
_ O quê? - tive de interrompê-la. _ Corta essa,você vai ficar bem...

_ A segunda coisa é que te amo e quero que me beije, quero que fique aqui, ao meu lado...

Enchi sua face de beijos. Beijei seus lábios, seus olhos e bochechas. Cada centímetro de seu rosto lindo. Quando dei por mim já estava deitado junto de Lynn, ainda beijando-a. Abracei-a tão forte, como se a intensidade do meu abraço pudesse impedir que a levem de mim...

_ Eu fui um maldito viciado a vida toda, ferrei com tudo, Lynn. Acabei com nossas vidas... acabei com tudo. Eu nem consigo pedir que me perdoe, não consigo porque considero tudo imperdoável. E você estava certa, eu errado. Não te culpo por ter ido. - afundei meu rosto por entre seus cabelos, escondendo minhas lágrimas, tentando me esconder da realidade. Pensei num mundo diferente...

… um mundo onde estamos juntos. Um mundo feito com as suas cores favoritas.

"Ela vai ficar bem..."

_ Não. - ela exclamou. Segurou-me pelo rosto, puxando-me, assim tive de encarar seus olhos que, ao contrário dos meus, ao invés de lágrimas, pareciam mergulhados num poço de serenidade. _ Você foi, você é a coisa que mais amo nessa vida, Gibreel, você foi meu arco-íris, minha melhor imagem, minha cor favorita, você foi minha inspiração sempre, mesmo quando estávamos longe, mesmo quando erroneamente não era entre seus braços que eu dormia, foi sempre em você que pensei. Sempre, Gibreel, Sempre. - puxou meu rosto até seus lábios.

_ Eu amo você, Lynn. - disse-lhe.

_ Também te amo, Gibreel, meu Arcanjo.


...


"Parece que importa o que eu faço,
por isso estou guardando isto para você
Pois este parece ser o último pedaço,
que você ainda não teve oportunidade de experimentar
Fragmentos de uma vida que você não deveria perder

Parece que importa o que eu digo,
então irei segurar minha língua
E, em vez disso, usar meus lábios para te animar
Para que as dúvidas não entristeçam seu dia
Para que você possa manter a cabeça erguida aconteça o que acontecer...

Então por favor,
lembre-se que eu vou seguir até o fim ...até o fim

Porque parece interessar aonde eu vou, então vou sempre te dizer
Que o lugar que estou nunca é longe
Que você sabe que não está só, não se preocupe
Vou te encontrar onde quer que você esteja

Por isso lembre-se que eu vou seguir até o fim

Oh, meu amor, se isso é tudo que posso fazer, irei me
render por você
Porque eu sempre me erguerei quando cair, desde que
esteja junto com você
Oh, meu amor, se isso é tudo que posso fazer, irei me
render por você e dar tudo de mim por você."

domingo, 10 de maio de 2009

Bleeding Heart.

02h00min pm.

O telefone... Estiquei o braço, mas parecia simplesmente inalcançável, parecia sorrir, zombando da minha vã tentativa de pegá-lo. – maldito, só mais um pouquinho. – e mais uma fisgada, pontada, como se uma adaga fosse cravada em meu peito. Não sou tolo e sei exatamente o que esta acontecendo. – muito prazer, Gibreel, sou a overdose por heroína. Primeiro vou fazer com que você não consiga respirar, em seguida diminuir sua pressão e temperatura corporal. – Meu Deus! Eu não consigo respirar, maldito celular, maldito. – mais um dedinho, um dedinho... – peguei.Atende, atende, atende.
_ Emergência...

#
"Estou caindo. Literalmente despencando do céu, mas não tenho certeza se caio para a terra ou, mesmo que seja muito incongruente, para o céu. Faço piruetas, volteios loucos em queda livre, meu corpo gira incessantemente e o vento chega num açoite, quase me partindo em dois, mas eu me sinto bem agora... E Haziel esta ao meu lado, ele também, afinal o pobre não tem mais suas asas."

"_ Hey, Haziel, para onde vai tão depressa? – perguntei, fazendo o impossível que é falar caindo de tamanha altura."

"_ Estou apenas acompanhando você. – o anjo caído respondeu."

"_ Vou nascer de novo? – perguntei."

"_ Você não tem que morrer para nascer de novo, Gibreel. – retrucou Haziel."

#

_ Seja bem vindo novamente, Gibreel. Sente-se melhor esta manhã? - disse, perguntou o Doutor Willians. Suas palavras me pareceram distantes, eu havia acabado de acordar.

_ Sim, eu me sinto melhor. Hoje parece que a passeata dentro da minha cabeça diminuiu, ficando só uma pequena banda. – respondi.

_ Você tem visita, vou deixá-lo a sós com ela. – ele falou e foi saindo. Mas... mas...
_ Quem é Doutor? Hey, me diz quem é que veio me visitar ou vou ter parada cardíaca, juro que vou, doutor. Vou ter uma parada cardíaca só pra te dar trabalho. - o doutor riu e deixou a sala. E em seguida ela entrou. Lynn. Eu soltei um suspiro.

_ Vai acreditar se eu disser que levei um tombo quando tentava trocar uma lâmpada?

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- Desculpe-me por incomoda-la há essa hora senhorita, mas este foi o único numero disponível que encontramos no apartamento dele.

- Não se desculpe, fez bem em ligar, como ele está?

- Nada bem – a voz indiferente da secretaria soou novamente pela monotonia de estar anunciado mais um dos muitos casos em plena madrugada.

– É overdose, já sob controle.

Lynn dirigiu como louca aquela manha logo após o receber a chamada desastrosa de que Gibreel conseguira com sucesso novamente uma overdose. Tomou todo o cuidado de sair sem acordar Matthew, que certamente não a deixaria vê-lo sozinha. Esperou por exatos trinta minutos quando Willians, o médico de plantão, adentrara a sala de espera para dizer-lhe que ele havia finalmente acordado.

Choque. Choque e aflição foi o que sentiu quando o viu ali, deitado sobre os lençóis imaculadamente brancos, os cabelos lisos em desalinho caindo numa massa escura sobre a testa. Não pode deixar de sorrir quando aquela voz tão deliciosamente familiar fez – se ouvir em tom de brincadeira ao vê-la. Encolheu-se encostando – se no batente da porta que fechou logo atrás de si e passou os olhos em revista pelo quarto.- Você sempre foi chegado a mordomias hospitalares, não é? – ela troçou de volta antes de fita-lo séria.

- O que foi que houve desta vez, hã? Liguei para o Randall esta manha para avisar que chegaria mais tarde por vir te ver e que consequentemente você entregaria sua pauta mais tarde e ele me contou que foi demitido. Foi esse o motivo pra se drogar, se é que existe um motivo pra manter – se sóbrio? – Ela sabia o quanto ele odiava seus sermões fraternais, mas não se importou continuando seu discurso ensaiado, a voz elevando-se consideravelmente.

- O corpo humano tem limites e você sabe disso, se quer mesmo se matar corte os pulsos, por Deus! Haziel deve mesmo estar com você o tempo todo, caso contrário não teria tanta sorte assim. Tantos problemas foram desencadeados por isso e você não toma consciência... – ela deteve-se momentaneamente, Williams havia pedido que ela se contivesse,

- Ele precisa de apoio – fora o que ele dissera. Gibreel não precisava de apoio, e sim de uma clinica. Ela ainda não havia se aproximado da cama onde ele estava, e sentia-se uma intrometida com aqueles olhos infernalmente perturbadores a encarando silenciosos. Ele estava muito mais abatido desde a ultima vez que o vira, há um mês, talvez. Ciente de que ele continuaria em silencio para irrita – la ela direcionou uma das mãos ate os cabelos, penteando com os dedos, as madeixas douradas que lhe caiam sobre o rosto para trás.

- O que vamos fazer agora? Sem emprego, metido com coisas que não pode controlar e com certeza sem dinheiro.Ela sabia que ele diria que o problema era seu e o que faria a seguir não a importava, mas ela o conhecia tanto quanto a si mesma e fazia idéia do quanto ele estava inquieto. Ignorando qualquer resposta limitou – se a abrir a porta e resmungou, antes de lhe lançar um ultimo e desesperado olhar.- Vou leva – lo pra casa, se é que já teve alta.

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Seria fraqueza demais dizer que morri quando ela me deixou? Não, na verdade seria hipocrisia demais... – veja bem, todos sem exceções são hipócritas. A vida em si faz da hipocrisia algo inerente ao ser vivente. Não há nada que eu odeie mais do que a hipocrisia, contudo, como membro ilícito da raça humana, eu não ouso negar a sua existência em mim. – mas gosto de acreditar que combato ferozmente minhas tendências hipócritas. – Eu não disse nada, fiquei calado e ouvi toda a torrente de palavras que Lynn despejava. Por mais que controlasse os impulsos que exigiam respostas para perguntas como. "Porque você não ficou comigo?" e "Porque esta aqui, ainda me ama?". Uma pergunta mais covarde que a outra. Não, não e não, eu fiquei calado, somente ouvindo-a e saboreando a parte de mim (a maior parte), feliz em revê-la.

Uma verdade triste e uma eterna:

Ela está mais bonita que na época em que estávamos juntos; certamente a vida com um dependente de heroína não deve contribuir para aparência de ninguém...

Eu vou amá-la para sempre, minha eterna verdade.

Ok, Gibreel, vamos lá, você pode fazer isso... Conte até três, diga que aceita ir para uma clínica, diga que ama e que precisa dela.

1, 2, 3 e já...

_ Eu... eu... esperava que trouxesse flores, você sabe, eu sempre achei elegante nos filmes, toda vez que se vai visitar um enfermo no hospital as pessoas levam flores. Odeio essa sua indisposição para o clássico, para o que é de praxe. – abri um sorriso bobo, na verdade me senti um comediante sem platéia.

_ Acho que já me deram alta sim, eu perguntei ao Willians se ele acha uma boa idéia eu contratar uma enfermeira e ele respondeu que conhece uma bem gostosa que dorme com o "serviço". Vou contratá-la assim que eu conseguir vender algumas frases. Pra piorar tudo acredita que o meu notebook quebrou? Foi sim, mas não foi exatamente minha culpa e sim daquela maldita parede dura como ás de um presídio. Eu nem havia jogado o notebook com tanta força... euaindaamovocêenãoconsigosequerformularumpesamentocoerenteemsuapresença. Mas enfim... Ces’t la vie. Vou ficar feliz de ir pra casa com você e depois te ver partir. Vou erguer a mão e te dar um até logo, talvez antes eu pergunte sobre o filho da puta que agora dorme contigo, sobre o cachorro, o trabalho e as mudanças climáticas mundiais e a crise econômica.

Calei-me, não consegui mais olhar pra ela. Eu ia chorar, então virei o rosto na direção da janela e fiquei fitando o nada enquanto uma lágrima aquecia minha face.

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Ela sempre tivera adoração por aqueles olhos. Eram muito bonitos e ele sempre conseguia dizer tudo com apenas um olhar. Como explicar? Em outros tempos, quando ele a fitava com aqueles olhos, sentia - se mais que desejada, sentia - se despida, pequena, ingênua, indefesa, tudo ao mesmo tempo.O que ela deveria ter feito para mante – los juntos? Para ele certamente aquilo podia ser considerado um abandono causado pela falta de interesse, talvez. Nos últimos meses antes da separação alem de contribuir para o caderno feminino e patético do jornal local, tinha um emprego safado de garçonete. Era bem tratada, até por que o patrão sabia que ela atraía alguma freguesia, e ela sabia disso. Pedia um salário razoável, e recebia corretamente, mas não era o bastante para um casal. Dia após dia, todas as tardes esperava ansiosa para tirar aquele avental ridículo de garçonete e ir ao encontro dele em casa, num ultimo fio de esperança de que o encontrasse bem, disposto e escrevendo, o que nunca aconteceu. Seus pensamentos foram interrompidos pela voz rouca e carregada dele que fez – se ouvir pela segunda vez. Arqueou levemente uma das sombracelhas e voltou a encara - lo.

Ouviu com as mãos tensas que se agarravam a fechadura que parecia escorregar em sua palma lisa e ligeiramente úmida o que ele dizia, limitando – se a fitar aqueles lábios que antes a beijara com tanta lascívia. Desviou os olhos, confusa. O que ele dissera? Não sabia ao certo, mas tinha a plena certeza de que qualquer coisa que ouvira sobre ama-la seria uma invenção do seu inconsciente. Ele nunca tinha negado um olhar, nem baixado a cabeça antes. Mas, naquele momento, havia optado por ceder, e ela conscientizou-se disso quando ele virou o rosto. Lynn hesitou. A palavra dor veio em sua mente. Ele não disse, mas ela leu em seus olhos, que não mais a encaravam, mas que segundos atrás pareciam livros abertos. Ela baixou a cabeça, recusando - se a olhar para ele. Esperou que ele tornasse a falar, mas isso não aconteceu. Passos breves e ela estava diante dele. Tomou-lhe uma de suas mãos e a envolveu com suas próprias, elevando – a até seu rosto e desceu seus lábios mornos sobre a palma fria dele. Sabia que se ele se voltasse encontraria dois olhos injetados, vermelhos.

- Vai ficar tudo bem, nós vamos conseguir um outro emprego, ou posso voltar a falar com Randall, nós podemos conseguir um outro notebook pra você, eu posso trazer o que uso no jornal pra casa e te emprestar o que nós dividíamos. Você sabe que não está nas melhores condições, mas se prometer que não o jogara contra a primeira parede que ameaçar te esmagar posso leva-lo ao seu apartamento. Vamos lá Gibrie, este não é o garoto rebelde e indisciplinado que conheci.

"E então tudo vai voltar a ser como antes, meu amor..." - foi a primeira frase consciente que sua mente formulou sobre a saudade que sentia dele depois de longos e deprimentes doze meses. Uma frase idiota, aliás, sem sentido, pois estava tudo mergulhado no escuro, o que vivera com ele deveria estar mergulhado no esquecimento. Mas, no momento, seu cérebro só conseguia registrar dor, ela tentava sorrir enquanto dava leves tapinhas na mão dele. Ele não podia chorar, não podia tortura-la a tal ponto, queria seu garoto forte de volta, aquele que a fizera apaixonar- se irremediavelmente em seus precoces dez anos. A conversa fluía fútil, apenas da parte dela. Na verdade, parecia que nenhum dos dois estava verdadeiramente ali, ela queria sair o mais rápido possível, soltar-lhe a mão, afastar-se daquela pele que ela conhecia como ninguém a textura, o gosto e o calor. Queria sair e se afundar em lembranças, sem ter aquela presença por perto.

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Ah, Deus, ela tinha mesmo de fazer isso? “... vai ficar tudo bem...” – disse-me, mas não é verdade, apenas um estado transitório de ilusão. Quantos outros parecidos, similares tivemos, hein? Eu num telefone público, envolto, coberto pela neve caindo em flocos tão finos quanto as minhas lágrimas, ouvindo sua voz no telefone dizendo-me que tudo ficaria bem e que eu só precisava voltar pra casa e me aquecer.Nada vai ficar bem, tudo está irremediavelmente quebrado, em cacos e eu me vejo como um tolo procurando juntar os pedaços.

Esse é o nosso Inferno. Merda! Cada palavra dita por ela soou e deslizou com uma carícia, dando-me mais conforto que o toque da sua pele que só me faz tremer. Meus olhos continuaram fixos na janela. Pensei em dizer a ela que tudo só ficaria bem se voltasse para mim, que pouco me importava um novo notebook, que não me resta mais inspiração sequer para uma sílaba. – durante muito tempo este fora o meu refugio.

O maldito mundo podia desabar e ainda assim eu teria uma infinidade de outros mundos sobre meus dedos, mas ela se foi, arrastando tudo consigo inclusive a parte da minha alma usada para escrever. – fiquei com o demônio branco, a heroína me pareceu sedutora demais naquela época e eu mergulhei de cabeça. Ela esta noiva, ele é um bom sujeito, livre, capaz de fazê-la feliz, diferentemente deste rascunho fodido de um ser humano que sou. - coragem, força de vontade. Vamos, Gibreel, faça o que precisa ser feito. Liberte-a, deixe-a ir...

_ Não é necessário, obrigado. Não quero nada. Fique com a sua caridade. - puxei minha mão de volta, afastando-a dos seus dedos delicados e mornos, dos seus lábios carnudos, úmidos e quentes. – eu daria um braço, arrancá-lo-ia eu mesmo em troca de um beijo seu.
Muito bem, Gibreel, como um boxeador; direita, esquerda, direita, esquerda, gancho. E o nocauteado é você.


_ Quero que vá embora, Lynn. – ainda sem ter coragem de olhá-la novamente. Enxuguei os olhos com a manga da camisa.

_ Você já veio até aqui e fez o seu papel de Madre Teresa do Calcutá. Agora vá, não necessito de uma babá... E me senti sendo partido em pedaços.

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Um soco na mente... ou mais precisamente no estomago? Lynn empalideceu ante as duras palavras de Gibreel. Ela ouvia o que ele lhe dizia e sentia inúmeras bofetadas ardendo em seu rosto. Ele sabia exatamente o que fazer e dizer para magoa – la e ela tinha a consciência de que ele estava tentando afasta – la. Seus olhos verdes escureceram – se e lágrimas grossas abriram caminho salgando seu rosto em chamas. Ele havia rejeitado seu carinho, assim como o fizera há um ano atrás. Depois da ultima frase um silêncio dramático encheu o ambiente, até ser interrompido pela respiração entrecortada dela.

Engolindo o nó incomodo e dolorido que fez – se em sua garganta ela começou, trêmula.- Sou uma mulher comum e como você mesmo costumava me taxar, uma sonhadora, não posso fazer absolutamente nada pra mudar o fato de que a demência do seu mundo não me infectou. Você querendo ou não eu não vou me render ao suborno da razão, eu quero sonhar! Você só tem que mover a pedra, fazer a sua parte, abandonar o lamento e sair da inércia, do coma profunda da mente e da alma.Ela tomara distancia considerável do leito e estava prestes a desmoronar. Jamais, desde a separação ela havia tocado no assunto com ele, Matthew ou quem quer que fosse.

O ressentimento pulsava latente e ela só sentia vontade de gritar a plenos pulmões tudo o que não dissera e o que provavelmente nunca diria. O que afinal ele queria? Que ela tivesse caído com ele? Ela sempre fora contida e desde menina a única pessoa em quem confiava o bastante para chorar e lamentar sobre seus problemas estava diante dela, recusando seu auxilio.Sem saber o que fazer com as mãos, sem entender porque ainda continuava a encara – lo ela encolheu instintivamente os braços, como um animal de pata ferida que receia ser machucado novamente. Apertou os olhos e sibilou vagarosamente, o tom angustiante e sentido de sua voz fazendo – se perceber.- Sua redenção será maior que a queda. - encerrou, seca. Os olhos lacrimejantes procuravam freneticamente por um milagre que não estava ali, alguma coisa que a salvasse daquele homem tão desejado quanto repulsivo. Sentia – se enjoada e seus olhos ardiam como se o sol estivesse a poucos centímetros cegando- a. Tateou confusa novamente a maçaneta e ganhando o corredor afastou – se apressadamente deixando o quarto, aquele odor hospitalar revirando – lhe o estomago.

Gibreel sempre parecera insensível a sua dor, mas ela sabia que ele estava tão machucado ou mais que ela.

Por Mai & Rob.

Lynn Austen.

O primeiro amor.
O primeiro beijo.
O primeiro namorado.
A primeira transa.

Em que mais Gibreel poderia ocupar o primeiro lugar na vida de Lynn Austen? Foi com ele que dividiu o primeiro cigarro, a primeira seringa, o primeiro porre, a primeira ressaca. Ele tomou para si sua inocência, deixando no lugar parcelas exageradas de libido das quais compartilhava de bom grado. Dividiu com ela a adrenalina de uma fuga planejada de casa aos treze anos, enquanto riam juntos nervosamente com o medo de que seus pais os alcançassem e mantivessem sua garotinha fora do alcance daquele garoto psicótico, perturbado e esquisito.
Ela o amava com toda a sua personalidade excêntrica e seu modo transviado de levar a vida. Ele era um espírito livre, indisciplinado, recalcitrante, não – conformista e politicamente incorreto que Lynn sempre quisera ser, se tivesse coragem o bastante. A encantava com sua verve inquebrantável, não importava o quão complicada sua vida se tornava, ele sempre a lembrava de suas simples alegrias. Não importava quando exigências lhe fossem feitas, ele nunca a deixava esquecer que a desobediência voluntária valia a pena. Num mundo de caciques ele era seu próprio senhor, o simples pensamento de perde-lo dilacerava sua alma, toda a sua fascinação provinha da sábia, singular e deliciosa loucura que dele emanava. Dividiu com ela a alegria de finalmente morarem juntos aos dezessete anos, logo após encerram os estudos.

Momentos bons. Aconteciam sucessivamente coisas boas demais até para que ela acreditasse: vivia num sonho delirante, via- se subitamente feliz, mais do que jamais estivera em toda a sua vida. Risos. Beijos. Abraços apertados e carícias íntimas denunciavam o amor. Ele costumava deitar-se com ela na cama estreita que dividiam, a aninhava em seu peito nu e com suas pernas enroscadas ele beijava seus cabelos com doçura numa prévia calorosa. A envolvia numa redoma encantadora de carinho e começava, com aquela voz rouca, macia e carregada a ditar-he o que havia escrito, contando-lhe de Haziel. Descobriu que o amor era mais do que sabia: muito mágico, brilhante. E era seu, finalmente. O amor pleno, belo, eterno e certo, aquele pra sempre.

O Fracasso.
A decepção.
A loucura.
O Fim.

Quatro anos mais tarde passaram a comentar que a aparência ligeiramente anêmica dela não combinava com sua alegria de espírito, alegria esta que Gibreel sugava com uma mesma agulha, limpa todos os dias, para injetar em doses exageradas em si mesmo. Lynn queria ser sua mulher, e não mais a namorada que apoiava absolutamente todas as suas loucuras. O controlava em suas explosões emocionais compartilhando com ele a dor de suas lagrimas que não faziam qualquer sentido. Ele fora demitido de seu ultimo emprego, o ultimo da lista de três nos últimos oito meses. Passava mais tempo trancafiado no quarto do que o normal, enquanto ela ainda escrevia colunas triviais para o jornal local comentando sobre a ultima moda em Paris e a gastronomia excepcional, que ela nunca provara, dos restaurantes mais sofisticados da cidade. "Você tem talento para escrever Lynn, gostaria de poder torna-la fixa um dia, se possível." – dizia Randall ao receber sua pauta todo sexto dia da semana. Estilo esse que mais uma vez Gibreel compartilhara com ela, passando-lhe um terço de seu extraordinário talento. E então ele se afundou. Se drogava com muito mais freqüência viciando-se naquilo que em pouco tempo ela passou a odiar. Ele não mudara, seria aquele garoto perturbado e estranho para o resto da vida, não tinha ambições, não buscava mais o conforto desejado nela, e sim na heroína. Num espaço limitado e assombrosamente rápido tornaram – se dois estranhos. Ela entendia que o amor ainda existia mais não havia mais a vontade da divisão, do compartilhamento. Ele não desejava dividir com ela suas angustias, seus medos, sua aflição, não queria que ela o visse cair. Ela entendeu, e o deixou.

"E eu sei os motivos, sim, sei; e que é melhor assim, também sei. O amor é mais forte que nunca. O desejo cresce e se amplia, povoa minha mente, meus sonhos. Sonho, sim. Espero. A esperança é doce, alimenta, nutre..."- Lynn? – a voz sonolenta e masculina soou repentinamente preguiçosa assustando-a.Hun? – ela voltou-se lentamente encarando o dono da voz que a espiava com os olhos apertados metido debaixo de um edredom floral, deitado a poucos metros de sua escrivaninha. Querida, venha se deitar, termine sua matéria amanha, Randall lhe deu mais tempo, não?Ela sorriu constrangida, ele decididamente não fazia idéia de que ela, mais uma noite em um ano despejava sobre as teclas do seu computador incontáveis desejos e memórias quanto a Gibreel.Desligou-o e jogou-se cama, sendo imediatamente enlaçada pela cintura.
- Sim, ele nunca me deu tanto tempo...

by Mai.