segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Last Kiss...


Abri os olhos pela segunda vez após a tentativa frustrada de suicídio. Infelizmente não foi Lynn que vi a minha frente, como antes, mas a enfermeira de plantão. Susan, se não me engano... Provavelmente eu teria achado que seus cabelos loiros ondulados, aliados aos carnudos e vermelhos lábios formem um conjunto bastante atraente, provavelmente se esta fosse uma realidade alternativa onde eu não fosse completamente apaixonado por Lynn.
Ao lado da enfermeira Susan, em cima de uma cômoda, três exemplares do meu livro recém lançado. "As crônicas de Haziel. - volume I. - A queda do anjo".

_ Desapontado? – a enfermeira perguntou.

Respondi fazendo cara de quem não entendeu a piada.

_ Desapontado porque esperava que fosse a Lynn? Bom, ela foi pra casa hoje cedo, pediu-me que tomasse conta de você. Eu disse que seria um prazer e ela respondeu que não era para tanto... Ela é muito engraçada e linda, eu também cuidei dela quando estave aqui... Não faz idéia do trabalho que o doutor Willians teve para convencê-la a deixar você e ir para casa descansar um pouco. Ah, eu já ia me esquecendo... – virou-se e apanhou os livros.


_ Pode autografá-los para mim, por favor? Todo mundo que conheço pirou quando eu disse que você era paciente na minha ala do hospital.


Não entendi absolutamente nada após ela deixar de falar sobre Lynn. Como assim pessoas piraram por minha causa? O livro mal foi lançado. Não houve sequer uma festa de lançamento, ao menos não uma com a minha presença, tendo em vista que estava em
coma. Enfim, dei os autógrafos que ela pediu. Assinando apenas Gibreel...

_ Pode por Gibreel, o Arcanjo? – eu a encarei por um momento. Ela sorriu como uma menina prestes a ganhar sua boneca favorita. E então fiz, dei meus primeiros autógrafos como escritor.

A porta se abriu e Willians entrou no quarto trazendo consigo umas folhas de jornal.

A enfermeira se levantou, pegou os livros já autografados, agradeceu-me com um sorriso, cumprimentou Will e saiu porta a fora, parecia feliz como se tivesse acabado de encontrar com o seu maior ídolo.

_ Bom dia, astro sensação do momento. – falou Will e sentou-se na poltrona onde antes estava a enfermeira.

_ Pode, por favor, me explicar o quê esta acontecendo?– perguntei. Willians sorria misteriosamente.

_ Vou ler a primeira página do jornal de hoje e você vai entender...

"Gibreel, conhecido como Arcanjo, autor de as crônicas de Haziel, agora já não é mais uma celebridade nacional. Seu livro é sucesso em boa parte do mundo. Enquanto isso ele continua internado no hospital St. Louis em Londres, depois de ter atentado contra sua própria vida usando uma dose letal de heroína. Mas, contudo, a intenção de Gibreel com isso era nada mais, nada menos que doar seu próprio coração para Lynn Austen, a mulher que ele sempre amou, mãe de sua filha de três anos e que, no entanto, é casada com outro homem...

…o escritor Gibreel nos dá uma lição muito maior do que a qualquer obra de ficção poderia dar. Mostra-nos que na vida real ainda há espaço para o verdadeiro e altruísta sentimento. E, assim como o seu personagem Haziel, sacrifica a si mesmo pelo que acredita, por amor..."



Willians terminou de ler, dobrou cuidadosamente a folha de jornal e a pôs em cima da minha cama.

_ Você é um herói, Gib.

Tentei assimilar aquilo tudo. Claro, tinha lógica. Mas eu nunca havia pensado nessa possibilidade, afinal eu deveria estar morto.

_ Ora, vamos, Gibreel. O que foi agora? Devia estar feliz. – falou, interrompendo meus pensamentos. Suspirei, adquirindo forças.

_ Will, eu quero voltar para a clínica...



Uma semana. Sete dias inteiros internado pela segunda vez numa clínica de desintoxicação. A vontade de escrever faz minhas mãos tremerem. A vontade de usar heroína deixa meus dedos trêmulos de igual maneira. Não consigo escrever. Nunca mais vou usar heroína. Sento-me todos os dias diante do notebook, mas bloqueado para o mundo dos anjos caídos, apenas faço anotações, penso em Lynn, leio cartas de fãs, penso em Lynn, releio um contrato bastante lucrativo, mas ainda não assinado, e penso em Lynn. Há um porta-retrato ao lado da minha cama e nele as duas criaturas mais lindas e perfeitas deste mundo sorriem para mim. Sonhei com Lynn e Eleni na noite passada, na anterior também, e na outra... acho que sonho demais. Nos sonhos nada aconteceu e estamos juntos como uma família. Nas cartas de fãs eu não leio nenhuma pergunta sobre Haziel e Ariel, todos querem saber sobre mim e Lynn. Todos, inclusive eu...

...

Permaneci sentado com os olhos fitos no chão, certo de que era um ato completamente indelicado, pois, os outros falavam, davam seus testemunhos, contavam suas estórias, mas eu só conseguia olhar o piso da sala, que de tão lustrado, reflete como um espelho e, ao invés da minha imagem, eu via Eleni, minha filha, até mesmo suas palavras eu ainda posso ouvir. 'Giberel' – sorri como um bobo, como um pai bobo. E então minhas mãos começaram a tremer e as enfiei nos bolsos.

_ Gostaria de dizer algumas palavras, Gibreel? - perguntou Julia, a psicóloga encarregada do meu grupo. Durante um momento apenas a fitei e, senti-me um pouco idiota por estar ali novamente. No passado, Júlia, fora praticamente a responsável pela minha reabilitação. Seu apoio nos momentos difíceis, sua decisão única de ter me deixado passar um tempo em seu apartamento e aquela noite que num ato sem precedentes e do qual nunca mais conseguimos tocar no assunto, nos beijamos.
Fiquei de pé, e, com um gesto de cabeça cumprimentei aqueles que eu já conhecia. - velhos amigos de guerra...

_ Boa noite a todos, não é um prazer estar aqui, não estou feliz por rever os que já conheço, não deste modo... - olhei para o chão. Abri um sorriso amargo e ergui a cabeça novamente. _ O meu nome é Gibreel, tenho vinte e cinco anos e sou usuário de heroína desde os dezoito. Perdi muitas coisas por isso, assim como todos aqui, acredito... Droga! A última vez que estive aqui eu estava mais desinibido, eu acho. Não é que agora eu esteja menos confiante, ao contrário, mas no momento eu só consigo pensar em uma coisa... Eu tenho uma filha, ela se chama Eleni, é a criatura mais perfeita e linda da face da terra, creio que todos os pais acham isso de suas filhas, mas a minha, diferente das outras é mesmo a mais linda. – fiz uma pausa, ouvindo as risadas daquelas pessoas tão danificadas quanto eu.

...

A noite recebi uma ligação de Will.

_ Tudo bem, Gib?

_ Não, não está.

_ Abstinência? Bom, mas logo vai passar. Você já conseguiu uma vez, tenho certeza de que conseguirá de novo. Tem falado com Lynn?.

_ Pedi que ela não viesse me visitar.

_ E porque fez isso?

_ Porque no momento sinto como se um trem tivesse passado por cima de mim. Não quero que ela e nem minha filha me vejam dessa maneira. E de qualquer forma eu e Lynn não temos nada. Ela é casada, você já esqueceu disso?

_ Gibreel, ela esteve lá todo o tempo enquanto você estava em coma, todo o tempo. E o que vi nos olhos dela foi amor, entende? Estou cansado de vocês dois. É sério. Principalmente você. A vida é tão curta e vocês mais do que quaisquer outras pessoas deviam saber disso... Foi dada a vocês uma segunda chance...

_ Hitch, o conselheiro amoroso? – interrompi-o.

_ Vá à merda, Gibreel. Eu falo sério. Seu idiota, estúpido dos infernos.

_ Eu também te amo, garotão.

...

Há certa vantagem em se estar na mesma clínica pela segunda vez. Bom, você já sabe como tudo funciona, os horários, já conhece algumas enfermeiras e os médicos, já chega preparado, sabendo o sofrimento pelo qual vai passar. Mesmo assim você continua sendo um imbecil que voltou a usar drogas. Por exemplo; ou melhor ainda, no meu caso: Quero ficar sozinho. A companhia de outras almas viciadas me enerva. E não conseguir escrever sequer uma linha me deixa irritado ao ponto de querer destruir o notebook.

A pequena lagoa era quase um pântano quando estive aqui pela primeira vez. Houve uma substancial reforma, acho que imaginam que os viciados precisam de boas paisagens para ajudar em sua recuperação. A segurança também triplicou, agora até câmeras de vigilância estão distribuídas pelo vasto terreno.

Achei uma pedra de aparência confortável e me sentei. Os raios do sol caíram sobre mim e me dei conta de não estar sentindo tanto a falta de heroína, minhas mãos não estavam tremendo. Peguei uma pedra e arremessei na água, fazendo-a quicar por três vezes antes de afundar.

_ Eu achei que seu único talento fosse o de escrever...

Virei-me, mas a voz era confundível e eu já sabia quem era antes de vê-la.

Lynn vestia um casaco marrom por cima de uma blusa branca, estava de calça jeans e seus cabelos soltos brilhavam, emoldurando seu rosto lindo e angelical. Eu sorri, não queria que ela viesse, tinha pedido isso, mas estava feliz em vê-la.

_ Como pode ver também sou exímio atirador de pedras. Acha que consigo emprego num circo?

Ela riu e se aproximou até se sentar do meu lado e seu olhar se fixar em algum ponto do lago.

_ Eu sei que pediu para que eu não viesse, mas enfim você não manda em mim. – olhou para mim e me presenteou com seu sorriso. O sorriso mais bonito do mundo.

_ Verdade, você tem um marido para isso. – falei, arrependendo-me logo em seguida.

Lynn soltou um suspiro, pareceu cansada, e então lembrei que ela ainda estava em reabilitação devido ao transplante de coração.

_ Achei que tínhamos superado essa fase agressiva.

_ Peça o divórcio.

_ Gibreel... – ela murmurou.

_ Eu amo você, Lynn, e você também me ama. Isso é tão obvio, sempre foi. A porra do tempo ta passando. Eu não quero envelhecer, olhar para trás e ver uma vida toda desperdiçada e cheia de erros. Não quero estar no lugar errado daqui há dez, vinte anos. – ergui minha mão e segurei a dela. _ Eu amo você.

Lynn olhou para mim e por um momento eu a vi como a garota que conheci anos atrás, a menina sempre disposta a fazer qualquer coisa louca desde que estivéssemos juntos, a menina que um dia fez as malas para fugir comigo.

Mas essa imagem se desfez quando ela começou a falar...

_ Eu também te amo, arcanjo. Mas você não acha que o tempo já passou? Talvez
apenas amor não seja mais suficiente... Eu me sinto tão fraca agora, Gibreel. E quando olho para você tudo o que sinto é vontade de me jogar nos seus braços, porém antes eu sempre sentia que isso era a coisa certa a fazer independente de tudo. Mas agora eu tenho tanto medo... Tenho medo das coisas darem erradas outra vez. Temos Eleni agora, não se trata mais de nós dois, arcanjo. Dessa vez temos que pensar no que é melhor para ela antes...


Foi minha vez de suspirar. Soltei a mão de Lynn e olhei em uma direção qualquer sem realmente estar focalizando coisa alguma.

_ O melhor para ela não é ficar com os pais? – indaguei.

_ Ela precisa de estabilidade e segurança...

_ Claro, e tudo isso um drogado não poderia dar, certo?

_ Pare de distorcer as coisas que digo, Gibreel. – Lynn respondeu sem paciência.

_ Estou traduzindo, e não distorcendo.

_ Eu acredito na sua recuperação.

Ficamos os dois em silêncio. Levei uma mão até o alto da minha cabeça, enfiando os dedos pelos fios de cabelos, empurrando-os para trás. Eu estava nervoso, achava que quando esse encontro acontecesse tudo ia ser diferente, voltaríamos, seriamos uma família, mas me senti decepcionado, injustiçado e irritado com tudo, com o mundo inteiro. Minhas mãos voltaram a tremer, tentei esconde-las de Lynn, mas ela notou e passou seus braços evoltado dos meus ombros, abraçando-me de forma protetora.

_ Você vai superar isso. – ela disse no meu ouvido e beijou meu rosto.

Fechei os olhos, e minha cabeça encontrou com a dela.

_ Você precisa sair daqui logo. O mundo lá fora ta uma loucura, arcanjo. Seus fãs me perseguem pelas ruas, pedem que eu autografe seus livros. Acredita nisso? Repórteres querem que eu dê entrevistas e fale sobre a sua tentativa de me doar seu coração. Eles falam de você como se fosse um herói. Fotos suas estampam revistas, todos te chamam de arcanjo, sinto ciúmes disso. Eu inventei o apelido, devia ser a única... – ela riu, deu-me mais um beijo no rosto.

_ Você é a única. Sempre foi...

Nossos lábios se encontraram, tudo que parecia errado ficou direito naquele momento. Eu a puxei para mim e a beijei de uma forma tão apaixonada que, mas parecia ser uma despedida, como se fosse nosso último beijo...