sexta-feira, 24 de abril de 2009

All Those Yesterdays.

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_ Ah, não! Cala a boca, telefone maldito!
- a dor de cabeça o fazia pensar no réveillon, no exato momento da virada quando soltam os fogos, mas, tente imaginar isso dentro da sua cabeça...

Gibreel, conhecido pela alcunha de Arcanjo, devido ao seu inusitado nome, levantou-se contrariado. Tinha ido dormir tarde, o que é um hábito, mas não sem antes beber quase uma garrafa de vodka, aqui temos mais um hábito, e agora despertara com uma terrível dor de cabeça ao som do celular tocando.

_ Que é? - falou Gibreel, atendendo o celular, ou talvez tenha rosnado, tamanha foi sua fúria.

_ Gibreel... - não houve nenhuma dúvida para Gibreel, e, mesmo tendo reconhecido a voz da pessoa do outro lado da linha, ele ficou mudo. Existem inúmeros, diversos momentos chocantes na vida, no entanto, para Gibreel, este foi um dos maiores até hoje... Reconhecera porque é impossível não lembrar de algo que nunca foi esquecido...

_ Gibreel? - ela falou novamente, sentindo-se tão nervosa quanto ele.

_ Eu tô aqui... - por fim, Gibreel respondeu, e o sono, até a dor de cabeça, pareceram abandona-lo, sendo substituídos por uma grande dose de perplexidade.

_ Você esta bem? - "Se estou bem? Se eu estou bem? Você sabia que a heroína não era minha? Você sabia que eu estava totalmente limpo? Sabia que se tivesse me dado uma chance, apenas uma estupida chance eu teria provado que a porra da heroína não era minha?" - foram todas as palavras que ele pensou em dizer, mas se conteve, por saber que aquilo não era justo com ela, por outro lado, é totalmente injusto consigo...

_ Eu estou bem, Lynn.

_ Liguei muito cedo? - perguntou Lynn, mas por guiza de desculpas, talvez por achar que tinha de dizer mais alguma coisa até ir ao ponto que a levara a ligar.

"... não, acredito que o correto é que é tarde, tarde demais..."

_ Não, Lynn, você deseja alguma coisa? Acredito que sim, pois já fez três anos...

_ Você acordou agora, não foi? Você pode vir aqui e tomar café conosco? - ela perguntou.

_ Você voltou dos Estados Unidos? - perguntou o surpreendido Gibreel.

_ Chegamos ontem. Eu preciso falar com você, Gibreel.



Uma hora depois Gibreel atravessava a rua, indo para a mesma Cafeteria que no passado frequentara diariamente com Lynn. Ainda sentindo um certo frio na garganta, não fazia idéia alguma do que Lynn poderia querer, e, lembrando o fato dela ter dito 'tomar café conosco' sem dúvida estava se referindo ao marido, ou seja, não é por uma tentativa de reconciliação... E se fosse...? Mas e se fosse?

Gibreel uniu suas mãos, entrelaçou os dedos, estalou-os todos juntos, em seguida enfiou as mãos nos bolsos e, após soltar um breve suspiro, entrou na Cafeteria.


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First Person.

Vi Lynn numa mesa próxima da janela. Ela não me viu, então me permiti um momento de pura nostalgia. Não me movi, mas, apenas, eu apenas fiquei olhando... E ela está linda, aliás, como sempre foi. E mesmo com aquela expressão grave de seriedade, ela ainda é a criatura mais linda que já vi em toda minha vida.

Subitamente ela se virou e me viu. - foi como se não houvesse mais ninguém ali dentro conosco, como se não houvesse mais ninguém no mundo. É, exatamente como esses estúpidos filmes românticos. Exatamente... E, quando o correto seria que eu fosse até lá, ela se levantou e veio caminhando em minha direção.

_ Oi, Gibrie. - Lynn cortou o silencio entre nós.

_ Oi, Lynn, tudo bem? - eu não sabia o que dizer.

_ Sim. Vem, senta aqui comigo. - convidou-me e eu aceitei. Ficamos de frente um para outro. Um garçom se aproximou, eu pedi café, e Lynn um suco de laranja.

_ Então... - dei a deixa para que ela dissesse o motivo de ter me chamado.

_ Antes, eu queria pedir de desculpas, Gibreel, é que mesmo você tendo voltado a usar heroína, eu não tinha o direito de ir embora daquela maneira, mas quero que saiba que não foi nada fácil... - eu a interrompi.

_ Eu estava limpo.

_ O quê? - perguntou Lynn.

_ A droga não era minha, Lynn. Eu não sabia na época como aquilo foi parar no nosso... no meu apartamento, mas depois descobri que foi Alessia, uma traficante de drogas, ela fez isso pra nos separar e conseguiu. - olhei em seus olhos. Eu não tinha a intenção de culpá-la, não queria fazer com que sofresse, eu apenas disse a verdade. E vi que aquilo a atingira, vi seus olhos brilharem daquela forma que antecede as lágrimas. Ela esticou a mão e agarrou a minha.

_ Você esta falando a verdade, Gibreel? - perguntou-me.

_ Jamais menti pra você.

Vi quando ela levou as mãos ao rosto, enxugando suas lágrimas. Quis abraça-la, beijar sua face, talvez dizer que não tem problema, que já se foi e que não importa. Mas na verdade importa, e também dói...

_ Eu... Meu Deus, Gibreel, eu não podia imaginar... Você não imagina o quanto eu sofri... - ela segurou minha mão novamente, apertando com força. _ Você pode me perdoar?

Eu sorri um sorriso torto.

_ Tá tudo bem... - desviei de seu olhar.

_ Não. Não está. Eu sinto muito...

_ Eu também.

Um perturbador silêncio pairou entre nós. E eu quis dizer inúmeras coisas. Dizer que compreendo, que qualquer pessoa no lugar dela teria feito o mesmo. Dizer que não doeu ter sido crucificado sendo inocente. Mentir...?

Ela ergueu a cabeça, esfregou os olhos novamente e me olhou com uma expressão diferente agora.

_ Porque ligou, Lynn? - fui direto ao assunto. Lynn suspirou, subitamente pareceu perder a confiança no que pretendia dizer. Ficou um momento em silêncio, olhou para algum ponto atrás de mim.

_ Matt está aqui, Gibreel, e tem outra pessoa com ele que você precisa conhecer... - e então ela acenou, eu deduzi que para Matt, mas de que outra pessoa ela está falando?

Ouvi passos e logo Matt estava de pé, diante de mim e Lynn, mas não estava sozinho... Matt tinha uma menina no colo, aparentemente com uns dois ou três anos. A semelhança dela com Lynn é incontestável, no entanto, ela em nada se parece com ele. Não consegui tirar os olhos da menina... e ela parecia não se importar com nada mais além do brinquedo de pelúcia em suas mãos; um anjo.

_ Olá, Gibreel, como vai? - perguntou Matt.

_ Bem, obrigado. - respondi. Não fiz como de praxe e perguntei o mesmo, por mim ele que vá pro inferno!

_ Mamãe. - a menina se jogou do colo de Matt, em cima de Lynn. _ Tio Matt me levou ao jardim, mas lá não tem rosas e eu queria uma pra dar pra você.

_ Você é a minha rosa, Eleni. - Lynn a beijou. Eu sorri, peguei a xícara de café e ia levando-a até a boca, mas, congelei... Tio Matt? Repondo a xícara em cima da mesa, olhei novamente para a Eleni. E agora eu percebi, santo Deus, eu percebi o porquê dela não parecer nenhum pouco com Matt... Porque não é filha dele, mas minha...

Senti meus olhos começarem a arder, logo minha visão embotou-se. Ergui uma mão e esfreguei os olhos, tornei a encarar a menina, Eleni, como Lynn a chamara. E não tive mais nenhuma dúvida...

_ Gibreel... - Lynn me chamou, e o tom da sua voz denunciou que ela já percebera o meu estado de choque e o motivo.

_ Essa é Eleni, Gibreel. Eleni, diga olá para o Gibreel. - Lynn disse. Eu fiquei mais mudo do que já estava, se é que isso é possível.

_ Olá, 'Giberel'. - minha filha.

Matt se levantou.

_ Vou deixá-los a sós. - dirigiu-se para... ah, sei lá pra onde ele foi e nem quero saber.

_ Olá, Eleni. - er... ah, eu queria dizer mais...

_ Querida, a mamãe vai chamar o tio Matt e já volta, você fica aqui e olha o Gibreel pra mim? - ah, mas como assim? Não! Eu... nada disse, outra vez.

_ Tá bom. - respondeu Eleni e ergueu o seu anjo em minha direção. Lynn deu um beijo na testa dela, olhou-me, talvez querendo dizer qualquer coisa que eu não entendi... Eleni ficou sentada em cima da mesa, de frente para mim.

Eu notei melhor sua aparência agora. Os seus cabelos são mais escuros que os de Lynn que são loiros, e não só isso, mas o formato dos seus lábios, e algumas linhas do seu rosto, é, ela se parece comigo. É, ela é minha filha. Então Lynn estava grávida quando se foi, mas ela sabia e não me comtou ou descobriu depois de partir?

_ Bonito o seu anjo. Ele tem um nome? - perguntei.

_ Haziel. - Eleni respondeu. Arqueei as duas sobrancelhas, e teria arqueado as três se tivesse mais uma.

_ Haziel, mas porque Haziel? - perguntei com extrema curiosidade.

_ Minha mãe disse que ele me protege, e também ao meu pai... - fiquei em silêncio, observando-a com o anjo. Depois de todo o choque, permiti-me sorrir, fitando aquela criança que é minha filha. Três anos. Eu perdi tanta coisa... Porque ela não me disse? Porque não me ligou? Eu teria ido ao inferno por essa criança, ou teria saido de lá...

Lynn voltou. Pegou Eleni no colo e a beijou novamente. Matt veio junto com ela. Eu fiquei de pé, todos estavam de pé. Lynn se aproximou com Eleni.

_ Filha, dá um beijo no Gibreel, já esta quase na hora de irmos embora. - ofereci minha face e Eleni me beijou no rosto. O primeiro beijo da minha filha... Toquei em seus cabelos, silenciosamente fiz uma prece por ela, e jurei fazer qualquer coisa por aquela menina.

_ Tchau, 'Giberel'.

_ Tchau, Eleni. - minha filha...

Lynn passou Eleni para o colo de Matt.

_ Vamos, princesinha, a mamãe vem logo. - Matt me olhou e se despediu com um gesto de cabeça. Assim que eles saíram, deixando-nos a sós novamente, eu a encarei.

_ Ela é a coisa mais linda que eu já vi. - falei, as lágrimas vieram aos meus olhos novamente.

_ Eu vejo você quando olho pra ela... - falou Lynn, com os olhos igualmente marejados de lagrimas.

_ Quando você soube? - usei a manga da camisa pra secar o rosto.

_ Eu voltava da clinica com o exame positivo, no dia em que encontrei a droga no apartamento... - ela emudeceu.

_ Você sabia antes de ter ido? Meu Deus, você casou com outro homem sabendo que era a minha filha dentro de você? Nunca passou pela sua cabeça que eu tinha direito de saber? Independente de drogas, que por sinal eu não usava, mas, claro, você não sabia, eu tinha o direito de saber... Eu tinha o direito. Eu nunca faria mal a ela... Você tinha que saber disso também. Como pode não acreditar em mim nem por um segundo? - explodi. Cerrei os dois punhos e bati com eles na mesa, chamando a atenção das pessoas dentro da Cafeteria.

_ Gibreel, por favor... - não permiti que ela continuasse.

_ Não. Você foi embora, Lynn, se tivesse esperado apenas um pouco, sabe, e mesmo se a heroína fosse minha, você poderia ao menos ter tido a decência de me esperar chegar e dizer “Seu filho da puta, eu to indo embora porque você voltou a usar essa merda”. Se tivesse feito isso eu teria provado que a droga não era minha. Eu esqueci isso, juro, é passado, eu tento, esforço-me pra compreender, e mesmo sem conseguir, lembro de todas as vezes que você esteve ao meu lado, lembro de toda a dor e sofrimento que eu causei a você...

Ela ficou em silêncio. Eu não penei em certo ou errado, apenas botei pra fora o que tava dentro de mim. E em outro impulso eu a puxei pelas mãos, colando nossos lábios, com ela contribuindo tanto quanto eu. Beijamo-nos como se esta fosse a última vez. E, provavelmente é...

Nos afastamos. Ela manteve os olhos fechados. Eu mordi meu lábio.

_ Eu te amo, mas jamais vou perdoar você por ter tirado de mim o dia do nascimento da minha filha, suas primeiras palavras, todos esses três anos... Nunca vou perdoar você por isso, mas amo você.

Dei as costas a Lynn e fui embora.

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